11.3.06

Estou siderado. Zé, pá, tu foste capaz de sair da pacata Amorosa, Areias de Portugal de onde miravas Terras de Espanha, para uma surtida temerosa a A Guarda? (Não é catarro, é mesmo assim).

Proeza tal nem as vertidas no Mio Cid ou na Chanson de Rolland.
Um perfeito gentilhomme, um caballero guapo que arremete qual Geraldo Sem Pavor contra o arqui-inimigo… E, ainda por cima, baila e faz versos que o Guilhade não desdenharia. Je suis complètement abasourdi.

Tudo com a naturalidade e o desprendimento de um Quixote. Assim é que é! Olarila! (Para os mais distraídos: este “olarila” não é chamar nomes a ninguém, até porque ainda não fui ver o Brokeback Mountain).

Vai daí, se o vate imortal, o Luís, que não pagou nunca à CGA e, mesmo assim, ia ao Paço sacar a reforma, epicamente, cantou feitos bem menos valorosos, eu - que tenho as quotas em dia -, não poderia deixar de fazer o mesmo para que a posteridade venere, amigo Zé, a tua bravura.

À tua glória ( - Chapeau, com a devida vénia)


Deu sinal a trombeta gallegana,
Alerta, infeliz, retumbante e aflito;
Ouviu-o o monte Artabro, e o Sebastião
Basco atrás do balcão escondeu o peixe frito;
Ouviu-o o Minho e a terra a A Guardana;
Carpem as lampreias cambiadas por marisco;
E o Remos, logo que o Penafidelense percebeu,
Dos fundos pilares até ao tecto estremeceu.

Quantos rostos ali se vêem de rubra cor,
Que à cabeça acode o marufo amigo!
Que, nas sedes grandes, o secão
É maior muitas vezes que o castigo;
E se o não é, parece-o; que o ardor
Faz olvidar ou mofar da dura videira
Faz não sentir que é perda grande e rara,
Da cuidada cautela, da vida cara.

Começa-se por mordiscar a belíssima vieira;
Dos calamares e das gambas já nem se fala;
Uns com pallillos à azeitona miram-na certeira,
Outros não perdem as esperanças de ganhá-la;
Logo o grande Zé, em quem se encerra
Todo o valor, primeiro a assinala:
Espeta-a, e a toma, e a oliva enfim saqueia
Aos que a tanto desejam, sendo alheia.

Já pelo espesso ar se escarafuncham os dentes
Cascas, caroços de vários tipos voam;
Debaixo dos pés duros dos conviventes
Lateiros, sujo o chão, os copos soam;
Espedaçam-se as facas; e as frequentes
Quedas coas duras costas, tudo atroam;
Recresce a cerveja sobre a já rouca
Gente do fero Zé, que a acha pouca


Eis ali seus seis pallonsz que com ele vão,
Dos que paredes roçam mas renegam da secura
Que aos valentes copázios dizem nunca, não,
Por muita dor no rabo lhes cause majestosa soltura.
D’entre estes arrenegados do cristal líquido alguns são
Magnos amantes que não da viticultura
Gente extrema e diferente se não venérea (caso estranho!)
Que os demais desconsideram sem arreganho


Ó tu, que bebes água, ruim que vem do cano,
Como se fora vinho, e vós outros dos tratantes,
Que bebeis coca colas , com profano
Estômago, capazes de negar lavagantes,
Se lá no reino escuro de Sumano
Receberdes gravíssimos laxantes,
Dizei-lhe que também dos Portugueses
Alguns tredores houve algumas vezes.


Já etilizados alguns dos nossos no chão histéricos,
No Remos tantas e copiosas cañas a eles vão!
Está ali Zé, que fero se vai aos ibéricos
Jamóns qual fortíssimo leão,
Que cercado se vê de callos pindéricos
Que os campos hão-de adubar de qualquer galegão:
Perseguem-no com favadas, e ele iroso,
Torvado um pouco está, mas não medroso.


Com torva vista as vê, mas a fome
Canina e a gula não lhe compadecem
Que de fraco se dê, mas antes no abdome
Às favadas se arremessa, que recrescem.
Tal está o valoroso, que se não come
Fica com do caraças grande traça; ali perecem
Alguns dos seus, a quem o empanturro
Os faz comer não como gente mas como burro.


Sentiu o Penafidelis que algo se passava
Logo acorre que, como sábio capitão,
Tudo comia e bebia, e a todos dava,
Ora favas, alubias e se sobrava, jamón.
Partindo com a faca, afiada tal clava,
Para os hambrientos morcilla de Léon,
Sentiu que, enquanto pasto lhes buscara,
O solomillo al viño tinto se lhe furtara;


Pára, raivoso, e freme, e com bramidos
Os comensais do Remos atroa e abala:
Tal Pantagruel, fita os outros encolhidos
Do seu furor, escorrendo aceite, assi fala:
—"Ó companheiros, ó colegas já torcidos
Lateiros, a quem nenhum se iguala,
Comei vossas morcelas, que a esperança
De morfes e de tintol encha a vossa pança.


—"Vedes-me aqui, esfomeado como vós, e companheiro,
Que das gambas, e setas, e do salmão
Atrás corro e vou primeiro:
Mas, pá, comei também pão!"—
Isto disse o magnânimo lateiro,
E, sopesando o garfo numa só mão,
Com força tira; e, deste único golpe,
Desaparece o último escalope.

Eis todos acesos novamente
Que o secão a todos ateia forte fogo,
Sobre qual mais uma cerveza valente
Acalmará o vencedor do jogo,
Que porfiam: quem bebe mais aguardente;
Vomita-se pelo chão, uns traques logo:
Assim estão e chamam o gregório,
Que já não pola sentina senão polo mictório.


Muitos vão, atrás dos postres, ao profundo,
Têm os pallonsz perpétua fome
Dos cremes que dizem não são deste mundo.
E chegada a hora de pagar o que se come
Paga o Zé ainda que furibundo,
Enche o peito de orgulho que o consome
Mas vale que a sublime bandeira Castelhana
Foi derribada aos pés da Lusitana.