2.3.06

Barcelona

Regressado ao nosso café verifico que nihil sub sole novum* apesar da gerência ausente. Antes assim. Pois, eis que regresso, exaurido física e financeiramente. Diria mesmo que relativamente à última questão até estou enjoado de gastar dinheiro.
Los catalans que ladrones son! Bem, mas não vou agora deliciar-vos com as tradicionais chatices sobre Barcelona, cultura, gentes, monumentos, etc, pois adivinho já os vossos pensamentos: “ - O L pensa que nós não temos televisão em casa, que nunca vimos o Camp Nou, que não lemos para saber quem é o Ronaldinho Gaúcho, o Deco, que cultura táctica tem o Rijkaard?”. Pois é! Temos ouvidos e lemos não podemos ignorar… Falar-vos-ei antes de sabores, de paladares… Uma cidade, um povo, uma região conhecem-se pelo que se bebe, pelo que se come…
Eu poderia ser como o Rogério que em chegado a Paris logo confessa ter saudades da comida portuguesa e até conhece um patrício que tem um restaurante muito jeitoso, numa rua meio escusa ali para os lados de Montmartre que serve uns bolinhos de bacalhau à maneira e com preços também nacionais. Os palmiers, os napoléons, atacam-lhe a figadeira, diz ele…
Eu poderia ser como o Zé, afogueado, um fio de azeite escorrendo pelos queixais abaixo, o pedaço de broa numa mão, ûa sardinha na outra e remexendo o carvão (lá vem a história das três mãos) com vontade de arremeter contra o gajo que este ano lhe traficou o sardinhaço pouco gordo mas a preço de santola. E tanto adianta os filhos reclamarem como não: - Ai vocês não gostam de sardinhas. Se calhar querem ciclóstomos, não? E os filhos, à cautela, comem as sardinhas todas assustados com a perspectiva dos ciclóstomos que não sabem o que é.
Eu poderia ser como vocês mas não sou. Não é que na rua, em Espanha, não finja que estou a tentar decifrar o que são buñuelos de bacalao ou cazuelita de mejillones frente às tabuletas dos restaurantes quando, na verdade, miro lo que està pasando con las cifras en euros à la derecha. Nesse particular, Zé, Rogério, somos todos iguais. O problema não reside aí. O problema reside em mis muchachas (mujer e hija). Si les gusta algo logo quieren algo e aí nada a fazer.
De modo que, apesar de mis miradas tristes por las cifras de la derecha en las tabuletas, sou obrigado a entrar.
Pronto, levo-vos comigo até aos Els Quatre Gats para uma cervejola. Por onde Picasso andou, L. beberricou (lembrem-se que eu não bebo, beberrico). Cerveja fresca, vinho ao copo, vale pelo espírito…
Aberto o apetite, aí vamos nós até ao 7 PORTES. Se algum dia por lá passarem aconselho-os a usar a vossa cara de andar ao domingo para não dar aquele ar foleiro, de filhos dilectos do infortúnio, ar de quem parece que se lhe matou o porco, porque, de repente, podeis encarar com alguém e acabareis por desconsiderar este vosso colega que tanto se esforçou por deixar boa impressão. Especialmente para ti, Zé, não fica bem erguer o copo bem alto e exclamares à maneira do Fernando: “- Que pomada!”. E tu, Rogério, nunca brindes com água nem peças, ainda que disfarçadamente, uma Coca-Cola para fingir que é vinho. Para começar por favor nada de tentar gozar o empregado com as habituais perguntas do género: “Camarero, tienes carniero?” ou se sabe tocar castanhuelas. Zé, isso é aceitável quando vais da Amorosa a Tuy ou ao Porriño e entras na bodega da esquina. Ali não, por favor. Podeis pedir uma Paella de bacalao já que não conseguis compreender o resto. Tu, Rogério, que andas preocupado com o que a malta possa mandar para a veia, não julgues que Pan de coca con tomate é aquilo que à primeira vista pensas ser e dizeres que para ti pode ser sem tomate. Bom…
Para cear, no outro dia, poderemos ir até ao “Real Compañía Cervecera Casa Fernández caem sempre bem. Umas morcillas de burgos, umas patatas bravas, pimientos de padrón, uma ensallada de queso de cabra, um arroz com bacalao, tudo acompanhado com cervejame à maneira. Não está mal.

Bem, vocês querem tomar alguma coisa? Uma francesinha à Tróia? Não vai mesmo nadinha?


* Tradução para o Jorge Humberto se algum dia vier a ler este texto: “Nada de novo ocorreu na adega subterrânea (sub sole – subsolo); quer dizer que a garrafeira, o vasilhame estavam em ordem.