29.1.06

Les copains d'abord

Ses fluctuat nec mergitur
C'était pas d'la littérature
N'en déplaise aux jeteurs de sort
Aux jeteurs de sort
Son capitaine et ses mat’lots
N'étaient pas des enfants d'salauds
Mais des amis franco de port
Des copains d'abord

Tal como o Zé de Penafiel penso que não deveremos vir a este café só para recordar. Mas, quando evoco, admito que nostalgicamente, esses tempos de menino e moço, para mim de graças muitas, comungo com o Millor Fernandes: “Quem mata o tempo (passado) não é assassino mas sim um suicida”.

Vai daí que sentado à mesa do café, Super Bock fresca, ouço o Mário de Sá-Carneiro:

Sobre ela descanso os braços
Numa atitude alheada,
Buscando pelo ar os traços
Da minha vida passada.

E esses traços vivos são os amigos, as situações, as emoções dum tempo ditoso que o Café Tróia testemunhou.
É com esse espírito de copains d’abord (quem não se recorda do prof. Jean Luc quelque chose a agredir violenta e entusiasticamente o Brassens com a viola) que vejo o Fernando sentar-se, sorriso aberto, humor tranquilo, sensato, sabendo o que quer da vida, pedindo um pingo (de cevada que não café). Fernando, amigo, companheiro, a quem devo, talvez, ter concluído o curso por despejares alguns baldes metafóricos de água fria sobre os entusiasmos juvenis que me poderiam ter desviado do caminho recto (aprecio muito este tipo de fraseologia “… desviado do caminho recto”). Ouço-te e vejo-te ainda, após umas cervejolas, horas mortas, na mansarda de Leça, tomado de súbito e irreprimível impulso, declarar solenemente que ias arengar às massas. Vejo-te já na varanda, à Evita Péron, (salvo seja), tonitruante: “- Massas! Maaaassas! Alimentícias e não-alimentíciaaaas…”. E um grande silêncio fez-se… Recolhes-te para o interior, pões-te a monte numa brasa do caraças… A turba, as massas, afinal havia um, um massa, o Conde Niño, do rés-do-chão, olhar atónito, expectante… Tchhhh, Heiiiiii… Tu branco como o cal. Logo tu num preparo desses, o único que se dava ao respeito pela vizinhança… E logo com o Conde Niño, presidente do condomínio, a quem tu, num gesto de simpatia e captação das boas graças, havias, pressuroso, oferecido uma garrafa de aguardente que era minha; para quem, porque sabias que o homem gostava, ao cavaquinho, tocavas, por vezes, um vira manhoso. Tu a quem as mães do prédio não enjeitariam ter como genro. Ganda bronca.
Tivemos eu e o Manel de Ponte da Barca, o outro compère do ménage à trois (leia-se sociedade arrendatária do sanctus sanctorum de Leça do Balio) finalmente uma pequena desforra, com algum sabor a vingança, admito. Afinal o menino bonito, ajuizado, mostrara que era igual aos dois índios que moravam com ele.
A cerveja já vai a meio.
Chega o Zé de Penafiel. Tudo em ordem?
O Zé tem uma admirável capacidade de fazer humor com tudo. As maiores banalidades, as situações anódinas do dia-a-dia servem-lhe de mote para exercitar a arte buscando subtilezas nas profundezas semânticas e fónicas das palavras. Um autêntico jongleur des mots. E como eu o invejava quando agarrava na viola e com mestria tocava o “Andas p’ra aí a partir corações” ou brincava com os blues da Miquelina! Os meus dedos de carroceiro não iam para além dum Malhão mal ajambrado… Lembro-me de uma das sessões no quarto do Xavier, ali na Rua da Boavista, sem janelas, escuro, mas que parecia o Rivoli em noite grande. O Xavier também dedilhava umas coisas, com voz TSF brindou-nos com um Veinte Años do Patxi Andion tão bom como o original, o Manolo mio, as “canhonas” mirandesas. E eu para o Zé com uma blague habitual:
- Ó velhinho. Toca aí uma pecinha dos Temptations.
E o Zé:
- Temptations?!!! À viola?! Tás parvo ou andas-te a treinar?
Ora viva o Rogério.
Sorriso permanente, ar dandy, bem apessoado, com fama e proveito, segundo rezam as crónicas e por quem o sexo fraco suspira… Senta-te amigo. Por detrás desse ar pare nós sabemos que há uma alma preocupada, tudo menos superficial, espertíssimo e amigo do amigo, solidário. E do círculo de amigos há quem o possa atestar. Rogério, um camarada a sério…
O Costa?
- A Cuesta quando venga yo le voy mandar al carajo!
- Qué pasa L., coño?
- Lo que pasa es que Cuesta tiene mis libros de la cadera de Literatura Hispano-Americana: Borges, Cortázar, Garcia Marques… Se hay quedado com ellos y jamás los he pusto los ojos arriba.
(Cadera?!!!)
- Pues, hombre, se te los hay gamado, hace lo que tienes de hacer…
O Costa. Nunca mais lhe pus a vista em cima. Volta, Costa, estás perdoado. Podes ficar com os livros. O Costa, pré-candidato ao sindicato do crime: “L., se souberes de algum gajo que queira comprar um Volkswagen 1200, de puta madre, não gasta água e quem bate é que se aleija, fala comigo, pá”.
O Costa que chegou a alugar um quarto com varanda para Santa Catarina para catrapiscar o melhor catraiame da cidade como ele dizia. Aquele abraço.
E a Olga? A quem um dia ao chegar lhe disse que parecia uma pomba-de-leque. “Oh L., queres levar um estalo?” Oh Olga, era um elogio, que diabo! Porra, pá. É logo ao chapadão?
E a Guida? Sempre elegantíssima. Não vem? A malta aqui no café era um vistaço ao pé dela. A Paula Ucha, sempre risonha, poveira de chinelo. A Ana, a Luísa, então? Apareçam por cá. E a Susaninha? Que é dela? A ela ninguém lhe fazia ninho atrás da orelha. “Qu’essa merda?” Aí Susana… É assim mesmo.
O Jorge. Eterno filósofo de sapatilhas Sanjo com devaneios existencialistas. Transmontano até ao chão. Jorge, aparece por cá, pá. Já sabes: Cícero, Plauto e essa maltosa toda da Camorra Latina, que lixam a vida ao povo, pá, connosco é pau em cima do lombo. Julgam que quê?. Não te deixes abater amigalhaço. Ainda os hás-de ver pendurados… e tu com dez a Latim. Não desesperes, pá.
E que é do Artur Pires? O que à laia de Grande Chefe Índio erguia a mão direita, palma virada para a frente e substituía o “Ugh” por “D’ac”. Este “D’ac” não é um “d’ac” qualquer. Foi com este “d’ac” que o Baradat nos apertou os calos, a todos sem excepção, num ditado para mais de cem mânfios e mânfias… Mas que raio é “D’ac”? Pois! “D’ac” seus ignaros, para não vos chamar brocos, é a forma popular abreviada de “D’accord” proferida pelo Petit Nicholas. Pois é…
Sejam bem-vindos todos, o Zé Carlos Amorim, simpatia de pessoa, o Mário Norte - que tinha uma amigo que não curtia funerais- o Augusto da Guarda e tutti quanti.
O Sousa do riso franco a quem eu desesperava por ganhar no xadrez e nunca o consegui. Ria-se por antecipação, o malandro, adivinhando as minhas jogadas, para ele mais do que óbvias, e trocava-me as voltas. Valha-me que à sueca, por vezes, lhe limpava o sebo.
Para o Sousa e o Xavier que já partiram: - Saravah, amigos! Como gostaria de ser crente para acreditar que noutra dimensão, um dia, vos poderia dar um abraço.
Bom, por hoje a cerveja, já era… A conta por favor.
Até logo.