12.5.06

Ne dubites, cum magna petas, impendere parva

Ó Zé

O tempo corre depressa e estes últimos tempos têm sido uma trabalheira que só te digo. E “ao pé do trabalho é que se espera pelo tempo” dizem os alentejanos.

Tenho passado pelo Tróia, espreitado pela vitrina para ver se está lá alguém mas, entrar, não tenho entrado.
Tu, ao menos, faça sol ou chuva, és de cepa antiga, homem de hábitos. Os outros por onde são? Devem andar por aí, de fato domingueiro, aprumados, ar nonchalant, preocupados com o devir, de tempos em tempos mandam uns bitaites acerca dos tempos que já lá vão mas aparecer é que não. Raio de gente, pá… Haja saúde e que sejamos felizes! Esta é, seguramente, uma das recompensas boas da vida: estarmos vivos e bebermos à amizade! Gracias a la vida!
Pois uma das razões porque não apareci foi, imagina, foi por ter ido uns dias ao Alentejo. Já te vejo boquiaberto: - Quê? Ao Alentejo?!!! E então… e… e Espanha?!!!
Zé, companheiro, fui ao Alentejo mas fui também de aguada a Olivença.
E tu: - Mas, mas, Olivença é Portugal?!!!
E eu: - Zé, amigo, para mim é Tierra de Nadie. Mas sossega que esta praça, leia-se – este teu amigo, resistiu galhardamente às paellas de carne, paellas de peixe, paellas de gambas... Nem um café. Ali, ter que explicar aos tios que café é "sin leche", “sin hielo”, “sin pellos del pecho del camarero” quando, se fôssemos nós a mandar, bastaria pedir uma bica… Dei, a volta ao cavalo, trinta, trinta e cinco e ala por Portugal. Patrioticamente, e como quem não quer a coisa, quase que com a minha portuguesíssima furgonete Nissan Primera amassava as trombas a um Seat Marbella como forma de rendre hommage à indústria de panificação de Aljubarrota que ali merecia ser relembrada.
E eis-nos no Alentejo.
Relembro a canção patuleia - Margem Sul do Urbano Tavares Rodrigues e do Adriano.

Ó Alentejo dos pobres
Reino da desolação
Não sirvas quem te despreza
É tua a tua nação

Não vás a terras alheias
Lançar sementes de morte
É na terra do teu pão
Que se joga a tua sorte

Terra sangrenta de Serpa
Terra morena de Moura
Vilas de angústia em botão
Dor cerrada em Baleizão

Ó margem esquerda de Verão
Mais quente de Portugal
Margem esquerda deste amor
Tanto de fome e de sal

A foice dos teus ceifeiros
Trago no peito gravada
Ó minha terra morena
Como bandeira sonhada

Olho o casario rasteiro, de alma branca, os espaços sem fim… Mas deixemos
a poésia e falemos do que te interessa verdadeiramente: comes e bebes.
Pois, amigo Zé, deves começar por Terrugem, junto ao campo de futebol. Encontrarás o Bolota Castanha.


Recomendo-te as migas gatas e tempo, muito tempo, para degustares com
calma o cozido de grão no tarro alentejano. Dependendo do teu colesterol podes ir pela sericaia ou pelo sortido de doces conventuais.
Depois, podes passar pelo Fialho, em Évora, mas desse nem falo por ser por demais conhecido.

Em chegado a Beja não esqueças: “Os Infantes”. Local muito bonito, pede caça…







Depois, arrancas em direcção ao Escoural e perguntas pelo
Manuel da Azinheirinha.
As entradas são do outro mundo: Pimentos e favas com chouriço, Tomate com cação; Cogumelos com hortelã, ovos de codorniz, só para citar algumas... Ah, não esqueças os pezinhos de coentrada…




Para terminar: Maria do Alandroal.
Vai cedo e demora-te. Pede um finoso como abrideira e depois tinto do bom. Ficarás de bem com a vida, garanto-te.





Zé, fica em paz com a tua digestão. Dá notícias.